quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Cidade: porque me persegues?


Todos os dias, esta cidade de todos os ângulos; todos os dias a fantástica viagem por dentro de uma cidade que consegue, ser linda, apesar do caos, apesar dos pesares.

São Paulo no poema Revisitação de José Paulo Paes; São Paulo na tinta Cena Urbana (será o Minhocão?) do Gregório Gruber: dois artistas que gosto "demais da conta".

Até a próxima!



Cidade, por que me persegues?
Com os dedos sangrando
já não cavei em teu chão os sete palmos regulamentares para enterrar meus mortos?
Não ficamos quites desde então?
Por que insistes em acender toda noite as luzes
de tuas vitrinas com as mercadorias do sonho a tão bom preço?
Não é mais tempo de comprar.
Logo será tempo de viajar para não se sabe onde.
Sabe-se apenas que é preciso ir.
De mãos vazias.
Em vão alongas tuas ruas como nos dias de infância com a feérica promessa de uma aventura a cada esquina.
Já não as tive todas?
Em vão os conhecidos me saúdam do outro lado do vidro desse umbral onde a voz se detém interdita entre o que é e o que foi.
Cidade, por que me persegues?
Ainda que eu pegasse o mesmo velho trem, ele não me levaria a ti, que não és mais.
As cidades, sabemos são no tempo, não no espaço e delas nos perdemos a cada longo esquecimento de nós mesmos.
Se já não és e nem eu posso ser mais em ti
Então que ao menos através do vidro
Através do sonho
Um menino e sua cidade
Saibam-se afinal
intemporais, absolutos.

domingo, 19 de outubro de 2008

Paisagens

Walk in silence
Don't walk away, in silence.
See the danger
Always danger
Endless talking
Life rebuilding
Don't walk away...
(Atmosphere - Ian Curtis)



Foi como um vulcão, desses que se vê em fotografias catastróficas; foi como um insight, desses que temos no meio das noites mais terríveis e por fim, foi como um relâmpago: veloz, intenso, fugaz. Eu não tive outra opção senão sair de casa e seguir aquilo – não sei que nome dar – que estava dentro de mim e também zunia lá fora como o vento entre as árvores. Quantos anos eu teria então? Dezesseis, dezessete? Não sei. Meus cabelos eram tão longos que grudavam em tudo que havia no caminho: pedaços de sonhos desfeitos, restos de saudades esquisitas; gritos lancinantes de filhos incompreendidos, olhares impenetráveis, solos intermináveis de guitarras oitentistas (Smiths? Jesus and Mary Chain?). Tudo ecoava, tudo transbordava naquilo que era como um rio caudaloso feito da substância mais pura e verdadeira da minha memória. Eu seguia rumo à nascente do que quer que fosse aquilo e olhava para as margens, mas o que via eram apenas horizontes cada vez mais novos, verdejantes, luminosos. Eu tinha dezesseis anos, agora sim, eu me lembro. Quando cheguei ao outro lado do rio, as águas estavam de um negro azulado e nunca mais vi águas daquela cor tão deslumbrantemente fantástica, eu quis ficar olhando e olhando, mas temi me jogar nelas e se fizesse isso, naturalmente, seria privada de ver a paisagem daquele lado do rio. Pensando nisso, eu achei por bem aportar e seguir caminhando entre as árvores do lugar que ora parecia inóspito e ora se abria em cenários cheios de viço. Ah, como gostei de estar ali. Como me senti cômoda em meu espírito jovial, o frescor que havia em mim existia também na paisagem; me sentia unida ao mundo, coesa como uma pedra. Exata como o que apenas existe. Um cavalo novo subindo montes sem se cansar: assim eu. Noites e mais noites vaguei ali naquela paisagem e nem quis seguir adiante, para quê avançar, para quê continuar seguindo viagem? Então eu o encontrei, descobri que não poderia deter o tempo e nesse momento eu fiz dezessete. Me senti um tantinho mais madura, achando-me já uma mulher dessas que revistas bobocas idolatram e por fim, resolvi me sentar ao lado do rapaz de olhos azuis e de longe – bem longe mesmo – eu ouvia os mesmos acordes daquela guitarra (Joy Division?); aquela de antes de tudo. Antes de tudo era assim: eu mesma gostando de gostar de alguém, eu mesma acreditando naquilo tudo que se lê em romances açucarados, eu mesma com este rosto uns anos mais jovem; apertando com força a mão de alguém que eu achava ser... Ah, aquilo que todos achamos antes dos vinte, não importa se mulher ou homem; aquilo que nos faz querer, apenas isso: aquilo que nos faz querer. Quando parei de querer sabia que já havia chegado aos dezoito: hora de voltar à margem do rio, hora de remar para o sul, encontrar a direção na minha bússola tão jovem e já tão gasta; hora de fingir que não gostaria de estar lá no quarto da minha casa sentindo o cheiro da comida da minha mãe na nossa velha cozinha. E eu consegui, ouviram? Cumpri direitinho meu papel de “jovem mulher” e fui atravessando as águas agora escuras do rio, sim, pois as águas também se turvavam, também elas se transformavam em águas sujas sob o céu daquele tempo novo que chegava. Que tempo seria? Não pensava nisso - penso apenas agora - e seguia remando. Não olhei para trás e percebi agora que os vinte estavam incrustados nos rochedos mais altos que recortaram por um bom tempo, toda a paisagem que eu avistava. Foi nesse momento que abandonei o barco e me pus a escalar os tais rochedos; eram imensos e pontiagudos, mas como não poderia me arriscar a subir se diziam – todas ao meu redor; todas as de vinte – que lá no topo havia um mundo globalizado, novinho em folha nos esperando a todas nós, mulheres desbravadoras e pioneiras daquele tempo perdido entre o fim dos 80 e o começo dos 90. Alguém veio me dizer que os Smiths haviam acabado, que o The Cure viria ao Brasil no auge de sua decadência e que o muro de Berlim...Bem, vocês já sabem o resto. Mundo novo: eis que chegáramos finalmente ao topo do rochedo. Exaustas, suadas, cansadíssimas e sem um pingo de água fresca em nossas ocas garrafas (quem se lembrara de enchê-las em meio à euforia da subida?!). O caminho seria árduo, alguém disse; nem precisava, nosso corpo já nos alertava. E dá-lhe avanço da Aids, desamor, “não quero compromisso, fulana”, “vamos naquela festa anos 80? Dizem que é o máximo!”; “você viu, vão fazer um filme sobre o Ian Curtis com aquele novo astro de Roliúdi”... Parei para descansar ali, na sombra daquela figueira imensa porque realmente, precisava descansar... Olhei para meu corpo tão novo, para minhas mãos tão bonitas e pensei “o que vou fazer com tudo isso que tenho, que sou?”. Não pude refletir por muito tempo, pois perto de mim já estouravam essas guerras todas e os anos noventa iam sendo consumidos e iam nos consumindo... Mataram um brasileiro em Londres dia desses, mas já tenho trinta e cinco (!!) e agora não é tempo de chorar por tudo que não foi (e que não fui) vocês não acham? E no nosso novíssimo mundo globalizado a ética, essa palavra horrível para uns; ainda é incansavelmente debatida e apenas isso. A figueira tinha uma sombra tão boa, fresca; frescor que era como vento na alma; mas eu parei de olhar para meu corpo e minhas mãos quando percebi que o tempo não permite contemplações, ele nos atropela e mais que isso: ele nos engole! O moço de olhos azuis, esse ficou tão longe, mas tão longe que nem seus olhos azuis restam; eu segui a manada e de repente eis me mais uma cara entre as caras da cidade grande – o rochedo mais alto – eis me pessoa de cartão postal, daquelas que a gente não sabe o nome, onde nasceu, que idade tem... Dezesseis, dezessete, vinte e cinco, vinte e nove ou trinta e cinco são as paisagens todas ao redor do rio que sou eu. De vez em quando eu paro de ler jornais porque realmente não me interessa nada do que está lá; o mundo reduzido/resumido/estraçalhado em letras de forma, em letras que não transmitem nada. Nada. De vez em quando eu adoro fuçar em sebos aquelas revistas velhas de quando eu era criança, nos 70; e de quando eu era adolescente, nos 80; porque respiro o mesmo ar (ai, como vão falar mal de mim as mulheres antenadas de trinta e poucos que continuam – olhem lá- subindo o rochedo!) de quando eu era outro eu naquele tempo antiqüíssimo. Abri a janela hoje e havia uma leve neblina cobrindo a cidade; parecia cenário de beira de rio de manhã bem cedinho, parecia aquele instante no qual os pescadores saem para navegar em busca das coisas que lhes são preciosas. É sempre bom navegar de manhã, quando as águas parecem matéria de sonho e se abrem lânguidas como flores tocadas pelo vento... E sendo assim, é de manhã que gosto de navegar, ainda hoje aos trinta e cinco, eu gosto de navegar; mas tem que ser de manhã bem cedo, quando o mundo é novo, quando todas as promessas podem ainda se cumprir, quando toda – toda – a filosofia é vã; quando enfim; a gente remexe memórias ancestrais, acha que escuta no fundo das águas “Atmosphere” do Joy Division e sim; nesse momento percebe que a vida vale a pena e ponto.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Da série "a realidade é muito pior" cometi esses contos(mini):


Benedita

Ela e o filho moravam na casa velha da esquina. Loucos, sujos. Eram os brinquedos de verdade de todas as crianças da rua. Ela morreu. Levaram o filho para um hospício. Demoliram a casa. Fim.


A imagem é do Bresson.

domingo, 5 de outubro de 2008


Razão: faculdade que tem o ser humano de avaliar, julgar, ponderar idéias universais; raciocínio, juízo (...).

Está aqui no Aurélio, a definição da palavra; está em falta no mundo o uso desta prestigiosa qualidade...Reina o caos e me lembrei da razão adormecida, do grande Goya...No tempo dele a razão adormecia...hoje, penso que a razão delira...Explico: há mil teorias (criadas por tantos quantos se achem "donos da razão") enlouquecidas sobre tantas coisas e todas elas querem ser verdadeiras... e quase todas elas na verdade, deliram loucamente na paisagem caótica do nosso moderno mundo.

Melhor a razão adormecida ou a razão delirante...? Hein...hein...?
E o domingo - pós eleições - finda...

Anna - outubro/2008