terça-feira, 24 de fevereiro de 2009


Minha avó


Série Contos Antigos












A lembrança mais antiga que tenho é assim: eu mesmo sentado no fundo do quintal debaixo do pé de abacate. De lá dava para ver atrás da casa. As janelas dos quartos, a porta da cozinha, o galinheiro e minha vó indo e vindo entre as coisas todas. E me chamando: “Menino, quede você?”, ela perguntava de tempo em tempo. Eu emburrado ou não, ficava quietinho, quietinho; nem respirava que era pra ela não me achar. Porque gostava de ficar observando minha vó, ela parecia tão, sei lá, viva, esperta. Lembro que escutava até meu coração batendo, lembro que gostava de matar as formigas que andavam no chão e lembro que lá da rua vinha um barulho de gente conversando, rindo, vivendo. Eu tinha uns 9 anos, acho. E morava com minha vó. Só eu e ela na casa velha da esquina. Eu morava em outra cidade antes. Grande e barulhenta, mas aí um dia minha mãe resolveu que a gente ia morar lá, só que depois ela se foi e eu fiquei. Com minha vó. Só eu e ela na maior casa da rua. Nossas vozes ecoavam pela casa e eu achava isso estranho. Naquele tempo eu me sentia confortável lá junto da minha vó. De manhãzinha, mal o galo cantava e ela já se levantava. Logo eu acordava também e já corria pro galinheiro. Sabia que ela estaria lá dando de comer pras galinhas. Depois a gente entrava e tomava café. E depois eu ia pra escola achando ruim deixar minha vó sozinha em casa, mas ia senão ela ficava brava...A melhor parte era a hora de voltar pra casa. Eu subia a rua correndo, custando a respirar e minha vó sempre estava na calçada me esperando. Parece filme na minha cabeça, hoje quando lembro; mas juro que ela usava avental, coquinho e juro que ela sempre corria ao meu encontro. Depois do almoço é que eu ia pro fundo do quintal, antes que a molecada viesse me chamar pra “fazer arte” (como dizia minha vó), mas antes disso eu tinha que ir pro fundo do quintal. Hoje vejo: era meu ritual secreto. Lá do fundo minha vó parecia tão grande. Fazendo as coisas dela. Andando pra lá e pra cá e até quando ela me xingava ou falava assim “Ah, deixa quando eu te pagar!!!” eu não sentia raiva dela não. Juro. Minha vó era tão engraçada, fazia tantas coisas, brincava comigo, me contava histórias de quando ela também era criança e falava comigo como se eu fosse o único amigo dela. Era assim, minha vó. Depois...ah, depois o tempo passou, eu cresci e um dia minha vó morreu. Isso faz muito tempo sabe? Eu não quis ir no enterro. Enquanto todo mundo estava no cemitério eu fui sozinho andar na casa grande da esquina onde eu morava com ela. Era só eu e ela. Eu e minha vó. E engraçado: eu pisei no chão da casa da minha infância com meus pés de adulto e juro que minha vó estava comigo. Juro que ela estava perto quando abri a janela da sala, quando desci a escada do porão, quando fui até a cozinha...Não havia mais galinhas, mas havia o cheiro e o jeito da minha vó em tudo. E foi por isso que não fui no enterro. Não fui não. E não me arrependo. Porque minha vó não morreu. Ela existe e vive: lá na casa grande da esquina onde moramos juntos. Eu e ela.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

...DA (SUPOSTA) ORIGINALIDADE




Só somos originais por que não sabemos nada.


Goethe

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Fragmentos Líricos

"Abri a janela hoje e havia uma leve neblina cobrindo a cidade; parecia cenário de beira de rio de manhã bem cedinho, parecia aquele instante no qual os pescadores saem para navegar em busca das coisas que lhes são preciosas. É sempre bom navegar de manhã, quando as águas parecem matéria de sonho e se abrem lânguidas como flores tocadas pelo vento... E sendo assim, é de manhã que gosto de navegar, ainda hoje aos trinta e cinco, eu gosto de navegar; mas tem que ser de manhã bem cedo, quando o mundo é novo, quando todas as promessas podem ainda se cumprir, quando toda – toda – a filosofia é vã; quando enfim; a gente remexe memórias ancestrais, acha que escuta no fundo das águas “Atmosphere” do Joy Division e sim; nesse momento percebe que a vida vale a pena e ponto".

Janeiro de 2009