terça-feira, 29 de setembro de 2009

Viagem aos sonhos de Chagall




“...só é meu o país que trago dentro da alma” - Marc Chagall


Violinistas no telhado, gatos com cara de gente, vacas e amantes que rodopiam por céus sempre coloridos, cenas da vida interiorana da velha Rússia, mulheres sorridentes parindo filhos rosados; flores, músicas, vida!
A vida fragmentada em cores, sonhos fantásticos e infinitas possibilidades, assim é o mundo de Marc Chagall ou melhor dizendo: assim é uma parte, talvez pequena, mas profundamente instigante, do mundo de Marc Chagall.
Chagal nasceu na aldeia de Vitebsk, na Rússia, em 1887 e morreu em 1985, aos 97 anos. De família grande e humilde, desde criança, fascinava-o a vida cotidiana repleta de cenas rotineiras: o trabalho estafante do pai que era estivador (“Tudo acerca de meu pai me parecia enigma e tristeza”); da mãe, dona de uma pequena mercearia (““ “Se tenho feito quadros é porque me lembro da minha mãe...”) e do tio Neuch, imortalizado por ele nos vários quadros em que há famoso violinista no telhado e a quem adorava seguir em viagens para compra de gado (“Como ficava contente quando me deixava ir na carroça aos solavancos”).
Descendente de judeus hassídicos – assim como a maioria dos habitantes de Vitebsk – cresceu entre cantos e adorações a Deus, em meio à alegria das celebrações religiosas de seu povo e, certamente, estas particularidades de sua infância contribuíram para tornar cada pintura em retrato de tempos feitos de êxtase, poesia, certa melancolia e alguma saudade.
Tudo envolto em cores vivas e intensas; como se cada pincelada fosse uma tentativa de reter o vivido.
Em cartaz no Brasil, a exposição O Mundo Mágico de Marc Chagall: O sonho e a Vida, é, só pela riqueza do acervo, evento obrigatório para quem aprecia arte. Dividida em 7 partes, cada uma apresenta uma faceta do mestre: na série Lês Ames Mortes (Almas Mortas), por exemplo, Chagall baseou suas gravuras na literatura de outro mestre (das letras): o escritor russo, Nikolai Gogol; na série Fábulas de La Fontaine, os textos do francês Jean de La Fontaine, foram a inspiração perfeita para os simbolismos de Chagall. A Bíblia também o inspirou e várias parábolas estão presentes numa série de gravuras. Há ainda gravuras baseadas na literatura grega - Daphnis e Chloé – e aqui, vale ressaltar o empenho de Chagall que viajou à Grécia para captar a luminosidade das paisagens gregas. Esse fato talvez explique toda a força e pureza que trespassa as suas obras de Chagall. Todas, não importa se pinturas, gravuras ou esculturas, reforçam a busca pela o lirismo e o encantamento de sua arte. Ao desenhar as fábulas de La Fontaine, ele parece ter captado a essência de cada história e, sem rodeios, a verdade contida nas palavras do escritor resplandece.
Em tempos de moral discutível e das tantas permissividades cometidas em nome da ética, por exemplo, lembrar as lições de etiqueta moral presentes em histórias como A raposa e a cegonha ou o Velho, o menino e a Mula são uma boa maneira de perceber a atualidade (e necessidade) destes temas tão caros a todos nós. Nas gravuras de Chagall, a moral salta aos olhos e nos deixa perplexos quando nos lembramos, por exemplo, de certos acontecimentos recentes da política brasileira...
A grande qualidade de Marc Chagall reside talvez no fato de que toda a riqueza e o colorido de sua obra, todos os detalhes oníricos e fantásticos de cada uma de suas telas (cada quadro é literalmente, um mundo repleto de simbolismos), não encobrem - ao contrário, revelam com vigor - a real realidade: esteja ela presente na aldeia em que nasceu, em Paris ou nas nos romances e fábulas. Chagall era mestre em tornar visíveis sentimentos e emoções. Assim a morte, a tristeza, o amor e a faina diária; os embates da fé nas parábolas bíblicas e as revelações filosóficas que a literatura grega nos legou; tudo isso se expressa de forma que, acima de tudo (e para além de julgamentos artísticos ou críticos da arte); faz com que nos sintamos confortáveis como os seres humanos contraditórios e imperfeitos que somos. Podemos ser o que quisermos – e em tempos de patrulha moral, quase emburrecedora, isso não é um alento? – ao entrarmos com Chagall no país repleto de lembranças e memórias de sua alma. E esta é uma experiência inesquecível que nos devolve nossa tão frágil humanidade.
E há ainda o amor, sentimento fundamental para o pintor; impulso que o levou a tentar apreendê-lo em obra dedicada à esposa Bella (“Á medida que os anos iam passando, o amor dela tornava-se palpável nas minhas pinturas...”), à França (“ A França é a minha verdadeira casa...”) e enfim, à própria vida (“Amar a arte é a própria vida”).
De origem humilde, judeu em um tempo em que tal condição significava holocausto e morte; Marc Chagall celebrou a vida em cada quadro. A riqueza de sua pintura, o humor, o lirismo, a nostalgia, as maravilhas e os pequenos milagres ocultos em uma realidade quase sempre árida; reacendem a fé no homem, apesar de tudo. Parece clichê – e certamente é – mas nesse começo de século no qual nos perdemos em debates em torno do consumo excessivo que massacra o homem e a terra (e vice versa) ou ficamos emparedados em congestionamentos monstro nas nossas cidades tão modernas (mas que não nos acolhem e sim nos excluem), apreciar a obra de Marc Chagall é caminhar em doces e belas paisagens de sonho, lugares nos quais podemos exercer nossa humanidade sem o temor que as tantas teorias – do consumismo, do psicologismo, das auto-ajudas execráveis e limitadoras - nos impõem diariamente. Por nos legar tamanha obra ou por nos devolver de forma plena, como um presente há muito esperado, nossa árdua – mas apesar de tudo bela – condição humana; vale a pena conhecer de perto, toda a riqueza dos sonhos de Chagall, uma celebração da vida – paradoxal e estranha – mas ainda assim, bela.

A exposição “O mundo mágico de Marc Chagall O sonho e a vida.” está em cartaz na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, até 4 de outubro.
Para saber mais acesse http://www.casafiatdecultura.com.br/

domingo, 19 de julho de 2009

Inverno entre Minas e São Paulo


Recorte da estação dos sonhos enevoados e das esperanças aninhadas na alma: o inverno.

domingo, 3 de maio de 2009

Neblina


O primeiro dia


Nada havia sido definido então. Nada havia para ser dito ou sacramentado e até o mundo ao redor das coisas sabia disso. Aquela parcela invisível e mítica que envolve pessoas vivas ou mortas, animais vertebrados e invertebrados, móveis novos ou antigos, casas abandonadas ou não.
Então, para quê – me respondam – ela deveria olhar para tudo procurando algo se o que ela procurava fazia parte das coisas, era a matéria das coisas e pulsava como um coração que bate da maneira que lhe cabe bater?
Nada havia para ser procurado, dissecado ou verificado.
Nada.
Nada.
Depois da chuva rápida que refrescou a tarde e umedeceu as plantas, o céu acinzentado ganhou uns ares de mar. Como se um oceano de nuvens frescas inundasse naturalmente o teto da cidade.
Foi, como direi, tão bonito esse primeiro dia que parecia até, que era a primeira vez que algo fantasticamente belo acontecia ao mundo....
Outono - seis e meia da manhã.

domingo, 22 de março de 2009

Topografias Sentimentais - O OUTONO

O mundo é pacífico e acolhedor no outono,

a mais bela estação acaba de chegar.

Bem vinda, portanto!




céu de outono.

domingo, 15 de março de 2009

Deus acende as nuvens


Série "Minicontos"

Aos oito ouvia encantado a explicação do pai: “Relâmpagos? São luzes que Deus acende dentro das nuvens”. O tempo passou. O encantamento não.

foto: antes da chuva

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009


Minha avó


Série Contos Antigos












A lembrança mais antiga que tenho é assim: eu mesmo sentado no fundo do quintal debaixo do pé de abacate. De lá dava para ver atrás da casa. As janelas dos quartos, a porta da cozinha, o galinheiro e minha vó indo e vindo entre as coisas todas. E me chamando: “Menino, quede você?”, ela perguntava de tempo em tempo. Eu emburrado ou não, ficava quietinho, quietinho; nem respirava que era pra ela não me achar. Porque gostava de ficar observando minha vó, ela parecia tão, sei lá, viva, esperta. Lembro que escutava até meu coração batendo, lembro que gostava de matar as formigas que andavam no chão e lembro que lá da rua vinha um barulho de gente conversando, rindo, vivendo. Eu tinha uns 9 anos, acho. E morava com minha vó. Só eu e ela na casa velha da esquina. Eu morava em outra cidade antes. Grande e barulhenta, mas aí um dia minha mãe resolveu que a gente ia morar lá, só que depois ela se foi e eu fiquei. Com minha vó. Só eu e ela na maior casa da rua. Nossas vozes ecoavam pela casa e eu achava isso estranho. Naquele tempo eu me sentia confortável lá junto da minha vó. De manhãzinha, mal o galo cantava e ela já se levantava. Logo eu acordava também e já corria pro galinheiro. Sabia que ela estaria lá dando de comer pras galinhas. Depois a gente entrava e tomava café. E depois eu ia pra escola achando ruim deixar minha vó sozinha em casa, mas ia senão ela ficava brava...A melhor parte era a hora de voltar pra casa. Eu subia a rua correndo, custando a respirar e minha vó sempre estava na calçada me esperando. Parece filme na minha cabeça, hoje quando lembro; mas juro que ela usava avental, coquinho e juro que ela sempre corria ao meu encontro. Depois do almoço é que eu ia pro fundo do quintal, antes que a molecada viesse me chamar pra “fazer arte” (como dizia minha vó), mas antes disso eu tinha que ir pro fundo do quintal. Hoje vejo: era meu ritual secreto. Lá do fundo minha vó parecia tão grande. Fazendo as coisas dela. Andando pra lá e pra cá e até quando ela me xingava ou falava assim “Ah, deixa quando eu te pagar!!!” eu não sentia raiva dela não. Juro. Minha vó era tão engraçada, fazia tantas coisas, brincava comigo, me contava histórias de quando ela também era criança e falava comigo como se eu fosse o único amigo dela. Era assim, minha vó. Depois...ah, depois o tempo passou, eu cresci e um dia minha vó morreu. Isso faz muito tempo sabe? Eu não quis ir no enterro. Enquanto todo mundo estava no cemitério eu fui sozinho andar na casa grande da esquina onde eu morava com ela. Era só eu e ela. Eu e minha vó. E engraçado: eu pisei no chão da casa da minha infância com meus pés de adulto e juro que minha vó estava comigo. Juro que ela estava perto quando abri a janela da sala, quando desci a escada do porão, quando fui até a cozinha...Não havia mais galinhas, mas havia o cheiro e o jeito da minha vó em tudo. E foi por isso que não fui no enterro. Não fui não. E não me arrependo. Porque minha vó não morreu. Ela existe e vive: lá na casa grande da esquina onde moramos juntos. Eu e ela.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

...DA (SUPOSTA) ORIGINALIDADE




Só somos originais por que não sabemos nada.


Goethe